Ainda nos dias atuais, as famílias tradicionais orientais mantém a tradição dos matrimônios arranjados em voga. onde o pagamento do dote é um compromisso de honra, em empenhar a palavra dada, e a maneira de negociar e assegurar a união entre os noivos e o parentesco entre as famílias envolvidas. As famílias indianas por exemplo, o dote matrimonial é estabelecido entre os pais dos noivos para casar os seus filhos solteiros, em idade de casar, afim de preservar a cultura religiosa hinduísta e o status social familiar através das castas. Se voltarmos na nossa história, até o século XIX, as famílias tradicionais e abastadas brasileiras também faziam uso dessa modalidade matrimonial, por arranjo.
Se por um lado, concretizado o pedido de casamento e o pagamento do dote à família da noiva, era uma maneira de assegurar a realização do matrimônio, da união entre as famílias e do futuro financeiro da noiva caso o "contrato" / pacto nupcial fosse rompido em caso de divórcio - Se somente se, muitos dos dotes não fossem utilizados precocemente para salvar a saúde financeira das famílias falidas, salvando-as das dívidas e da falência dos seus negócios; por outro, para quem pagava o dote, tornava-se automaticamente o dono, o proprietário, o gestor da condição feminina de "mercadoria" vendida.
Seja antes ou agora, o dote matrimonial nada mais é do que um instrumento de negociação entre as famílias, onde a durabilidade do casamento e a saúde afetiva do casal não são as principais preocupações para se subir ao altar sob a justificativa de que o amor chega com o tempo e a convivência entre marido e mulher e a chegada dos filhos, como também explica e legitima a submissão e a mercantilização da mulher como coisa, como mercadoria, como objeto de mera posse para os meus maridos e companheiros em sociedades mais tradicionais e machistas. Os altos índices de feminicídeo no Brasil e em outros países evidencia o olhar machista tão presente nos casamentos e relacionamentos estáveis.
Essa estratégia comercial arcaica e vexatória que submete e vitimiza a mulher, tornando-a um constante alvo de diferentes formas de violência por parte dos seus provedores, seus homens. Mais machista impossível. Todavia, em tempos de crise financeira, ética e moral, há quem encontre no "pedido de dote" a salvação dos seus problemas financeiros e um investimento para assegurar um futuro mais cômodo na velhice, sem ponderar o sacrifício de quê e de quem quando se depara com uma união pouco próspera de respeito, afeto e companheirismo. O casamento não deveria ser consideração como uma muleta de sobrevivência ou um tipo de investimento monetário (mero intere$$e financeiro) e nem uma possibilidade de ascensão de status social. Não se deveria pleitear um casório como se estivesse pleiteando uma vaga de emprego.
Dizem por aí que o amor tem a sua cota de sacrifício, logo alguém tem que se sacrificar em prol da sobrevivência, todavia, para o tipo de casamento que eu acredito, onde objetivamente, a saúde financeira da família tem um grande peso na harmonia familiar (um amor e uma cabana só é lindo em contos românticos) e, subjetivamente, o amor em suas diferentes expressões é o combustível fundamental para resistir a árdua, difícil e desgastante rotina e os obstáculos que provocam altos e baixos no casamento.
Talvez eu seja romântico demais ou tonto para não conseguir conceber um casamento sem amor, independente da renda do casal, porquê seria muito massacrante você conviver, lutar ao lado e ter intimidade com quem não te faz vibrar e é indiferente para e à você. Se com amor já é difícil, sem ele deve ser pior.
Se o dote matrimonial não fosse utilizado como instrumento financeiro de poder e posse sobre a mulher, subjugando-a ao homem e deixando-a exposta e vulnerável à diferentes formas de violência doméstica e de gênero, talvez não gerasse tanta polêmica ao ser solicitado, sobretudo aos olhos do Ocidente e ainda não dá para comercializar um sentimento espontâneo, nobre e genuíno. Quanto ao amor, em qualquer parte do mundo, existe a eminente necessidade de sentí-lo, tanto dando quando recebendo, mas, baseado na cultura oriental versus ocidental, ele pode chegar em tempos e urgências diferentes dentro da dinâmica do relacionamento. Para nós, ocidentais, o amor precisa vir antes de subir ao altar, durante a fase de namoro e noivado, e, para os orientais, ele vem depois a partir da convivência de casados, o amor não é um fenômeno urgente, um encantamento, é uma construção diária e até lenta e demorada como um fogo brando, paciente.