sábado, 2 de julho de 2011

O que há by Álvaro de Campos


O que há em mim é sobretudo cansaço.
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.


A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,

Essas coisas todas
Essas e o que falta nelas eternamente
Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Porque eu amo infinitamente o finito,

Porque eu desejo impossivelmente o possível,

Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,

Ou até se não puder ser...


E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...

Para mim só um grande, um profundo,

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,

Um supremíssimo cansaço,

Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...


(Álvaro de Campos)

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